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quinta-feira, 23 de maio de 2013

Conto de Pescador

O fim do dia se aproximava. No horizonte, o Sol parecia apagar-se, tingindo de rubro os fiapos de nuvens que emolduravam os contornos da serra. O piado dos pássaros anunciava que se recolhiam aos seus ninhos. Era a hora do peixe. Porém, nas águas, o silêncio. Nem um rebojo, nem um sinal da sua presença. Mistério, onde andariam?

De repente, um estalido na trilha que vinha ao pesqueiro. Quem seria?

Meu companheiro de pescaria estava uns vinte metros mais acima e não poderia vir daquele lado. Um arrepio inesperado correu-me pela espinha até a ponta dos cabelos. Não era medo. Sei lá! Estranho aquilo.

Um "boas tarde" roquento soou na boca da trilha pondo, de vez, em pé os cabelos já estremecidos. De um salto, virei-me assustado e deparei com a figura singular de um velho.

O chapéu de palha, meio moído, contava a sua longa existência. Mas, o que mais me chamou a atenção foram os olhos que, de imediato, devolveram-me a segurança. Eram calmos e traduziam paz. O restante era igual aos inúmeros velhinhos que, de vez em quando, encontramos nas barrancas da vida. Roupas surradas, a velha sacola de lona, a lata de iscas, a vara de bambu.

- Então, meu "fio", muito peixe?

A voz quase não me sai, embargada ainda pela surpresa.

- Nada não,... Senhor...!

- Então "vamu vê" - disse ele, ao mesmo tempo em que se acomodava junto a uma pedra.

Iscou o anzol e jogou na água, onde a velha rolha de garrafa de vinho ficou balançando até sossegar no remanso do rio. E, no silêncio do crepúsculo, elevando os olhos ao firmamento, onde já brilhavam as primeiras estrelas, assim falou.

- Ó Pai de infinita bondade, obrigado por este rio que nos oferece a água e o alimento. Permita que este velho, carregado ainda de muitos defeitos, possa hoje ter a sorte de uma boa pescaria. Assim como este companheiro, aqui ao lado, tenha a mesma oportunidade. Que seria de nós, Senhor Supremo de todos os mundos, sem o teu amparo e amor infinito. Muito agradecidos estamos pela existência deste e de todos os rios do mundo. Não permitas nunca que o homem venha, com o seu egoísmo extremo, destruir este presente que a tua misericórdia nos oferece. Assim seja.

Mal terminou aquela humilde, mas sincera prece, e a rolha, que lhe servia de boia, desapareceu da superfície plácida, para logo em seguida, o simplório velhinho, entusiasmado e alegre, apresentar um belo e saltitante lambari.

Foi a melhor pescaria que fiz em toda a minha vida.

Após, já ter a quantidade necessária para muitos aperitivos, despedi-me daquele extraordinário pescador, desejando-lhe muito sucesso e, em resposta, ele me disse.

- Vá em paz com Deus, meu "fio".

Passando alguns dias, voltei ao mesmo rio, mas antes, passei no pequeno vilarejo que lhe antecedia e perguntei se alguém conhecia aquele velho pescador que havia me feito companhia dias atrás.

Depois de dar a descrição necessária, ouvi um "não pode ser", pois a descrição fazia jus ao seu Pedro, que morou a vida inteira num ranchinho rio abaixo, já falecido há muito tempo.

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