O fim do dia se aproximava. No horizonte, o Sol
parecia apagar-se, tingindo de rubro os fiapos de nuvens que emolduravam os
contornos da serra. O piado dos pássaros anunciava que se recolhiam aos seus
ninhos. Era a hora do peixe. Porém, nas águas, o silêncio. Nem um rebojo, nem
um sinal da sua presença. Mistério, onde andariam?
De repente, um
estalido na trilha que vinha ao pesqueiro. Quem seria?
Meu companheiro de
pescaria estava uns vinte metros mais acima e não poderia vir daquele lado. Um
arrepio inesperado correu-me pela espinha até a ponta dos cabelos. Não era
medo. Sei lá! Estranho aquilo.
Um "boas
tarde" roquento soou na boca da trilha pondo, de vez, em pé os cabelos já
estremecidos. De um salto, virei-me assustado e deparei com a figura singular de
um velho.
O chapéu de palha,
meio moído, contava a sua longa existência. Mas, o que mais me chamou a atenção
foram os olhos que, de imediato, devolveram-me a segurança. Eram calmos e
traduziam paz. O restante era igual aos inúmeros velhinhos que, de vez em
quando, encontramos nas barrancas da vida. Roupas surradas, a velha sacola de
lona, a lata de iscas, a vara de bambu.
- Então, meu
"fio", muito peixe?
A voz quase não me
sai, embargada ainda pela surpresa.
- Nada não,...
Senhor...!
- Então "vamu
vê" - disse ele, ao mesmo tempo em que se acomodava junto a uma pedra.
Iscou o anzol e
jogou na água, onde a velha rolha de garrafa de vinho ficou balançando até
sossegar no remanso do rio. E, no silêncio do crepúsculo, elevando os olhos ao
firmamento, onde já brilhavam as primeiras estrelas, assim falou.
- Ó Pai de infinita
bondade, obrigado por este rio que nos oferece a água e o alimento. Permita que
este velho, carregado ainda de muitos defeitos, possa hoje ter a sorte de uma
boa pescaria. Assim como este companheiro, aqui ao lado, tenha a mesma
oportunidade. Que seria de nós, Senhor Supremo de todos os mundos, sem o teu
amparo e amor infinito. Muito agradecidos estamos pela existência deste e de
todos os rios do mundo. Não permitas nunca que o homem venha, com o seu egoísmo
extremo, destruir este presente que a tua misericórdia nos oferece. Assim seja.
Mal terminou aquela
humilde, mas sincera prece, e a rolha, que lhe servia de boia, desapareceu da
superfície plácida, para logo em seguida, o simplório velhinho, entusiasmado e
alegre, apresentar um belo e saltitante lambari.
Foi a melhor
pescaria que fiz em toda a minha vida.
Após, já ter a
quantidade necessária para muitos aperitivos, despedi-me daquele extraordinário
pescador, desejando-lhe muito sucesso e, em resposta, ele me disse.
- Vá em paz com
Deus, meu "fio".
Passando alguns
dias, voltei ao mesmo rio, mas antes, passei no pequeno vilarejo que lhe
antecedia e perguntei se alguém conhecia aquele velho pescador que havia me
feito companhia dias atrás.
Depois de dar a
descrição necessária, ouvi um "não pode ser", pois a descrição fazia
jus ao seu Pedro, que morou a vida inteira num ranchinho rio abaixo, já
falecido há muito tempo.
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